Importância de marcadores moleculares no prognóstico de carcinomas de células escamosas da cavidade oral utilizando tissue microarrays
- Moutinho da Silva Monteiro, Luis Miguel
- Máximo F. Fraga Rodríguez Director
- Márcio Diniz Freitas Director
Universidade de defensa: Universidade de Santiago de Compostela
Fecha de defensa: 30 de xullo de 2010
- Jerónimo Forteza Vila Presidente/a
- Pedro Diz Dios Secretario
- Miguel Ángel González Moles Vogal
- Saman Warnakulasuriya Vogal
- Carlos Lopes Vogal
Tipo: Tese
Resumo
O cancro oral é um importante problema de saúde pública mundial, representando 3% de todas as neoplasias malignas. Apesar dos avanços científicos no seu diagnóstico e tratamento, os carcinomas de células escamosas, tipo histológico predominante na cavidade oral, continuam a apresentar uma baixa taxa de sobrevivência, perto dos 50% aos 5 anos. Os novos conhecimentos da biopatologia tumoral nomeadamente na regulação do ciclo celular, na regulação da apoptose ou na neoangiogénese poderão permitir, além da identificação de novos factores de prognóstico, o estudo de modalidades de tratamento molecular dirigidas de forma mais específica a estes tumores. Neste sentido foram objectivos do presente trabalho a análise de parâmetros clínicos, patológicos e moleculares em carcinomas de células escamosas primários da cavidade oral e a determinação do valor prognóstico destes parâmetros. Para tal estudamos uma série de 67 carcinomas de células escamosas primários da cavidade oral diagnosticados e tratados consecutivamente no Complejo Hospitalario Universitario de Santiago de Compostela no período de 1995 a 2003. Os casos foram obtidos através do registo de biopsias patológicas do serviço de Anatomia Patológica do respectivo hospital. Foram analisadas as variáveis clínico-patológicas: idade, sexo, hábitos tabágicos e alcoólicos, localização da lesão, classificação TNM e estadio, tratamento realizado, tipo histológico, estado das margens cirúrgicas e presença de invasão vascular e peri-neural. Foi avaliada a imunoexpressão dos marcadores Ki-67, EGFR, p53, p63, p16, p27, ciclina A, ciclina B1, ciclina D1, ciclina E, COX-2, Bcl-2, VEGFR-1 e VEGFR-2 por técnicas de imunohistoquímica utilizando tissue microarrays (TMA) com dois cilindros de 1,5mm de cada caso. Da mesma forma foi avaliada a presença de aberrações numéricas do gene CCND1 por hibridização in situ por fluorescência (FISH) e o índice apoptótico pelo método de TUNEL. A sobrevivência total, sobrevivência livre de doença, sobrevivência livre de recidiva local e sobrevivência livre de recidiva regional, apresentadas por número de eventos e percentagem de sobrevivência acumulada aos 36 meses foram estudadas usando o método de Kaplan-Meier. As diferenças nas curvas de sobrevivência em função das variáveis estudadas foram analisadas usando o teste Log-Rank. As variáveis que na análise univariada mostraram significância estatística foram estudadas por análise multivariada pelo método de regressão de Cox. Os carcinomas de células escamosas da cavidade oral apresentaram-se predominantemente no sexo masculino (proporção de 3,5:1), a partir da quarta década de vida com uma idade média de 60 anos ±12,6 anos, com localização mais frequente na língua (n=28;41,8%), seguida do pavimento da boca (n=20; 29,9%), do rebordo alveolar (n=7; 10,4%), do palato duro (n=5; 7,5%), do trígono retromolar (n=4; 6,0%) e da mucosa jugal com 3 casos (4,5%). O estadio I foi o mais frequente com 21 casos (31,3%), seguido do estadio II (n=20, 29,9%), do estadio IV (15; 22,4%) e do estadio III (n=11, 16,4%). Observamos 34 (50,7%) carcinomas bem diferenciados (G1), 29 (43,3%) carcinomas moderadamente diferenciados (G2) e 4 (6%) carcinomas pouco diferenciados (G3). O estudo das margens cirúrgicas evidenciou presença de neoplasia em 9 casos (14,3%) nos 63 casos com informação disponível sobre esta variável. Registamos também a referência a presença de invasão peri-neural em 11 (16,4%) casos e invasão vascular em 5 (7,5%). Para o estudo de 16 marcadores nos 67 casos originaram-se 2144 cilindros de TMA. Foram perdidos 258 (12,03%) cilindros, o que levou a uma perda mediana de cinco casos por marcador (7,46%; mínimo de 2 e máxima de 23 casos). A expressão do Ki-67 foi verificada em 95,3% (n=61) dos casos onde 45,3% (n=29) mostraram proliferação elevada (¿50% de células tumorais marcadas). Todos os casos com invasão vascular mostraram elevada expressão de Ki-67 (p=0,016). A expressão do EGFR foi positiva em 95,2% (n=60), nomeadamente de expressão moderada/forte em 79,3% (n=50). A expressão membranar e citoplasmática ocorreu em 35% (n=21) dos casos. Esta expressão simultânea associou-se com a presença de invasão vascular (p=0,046). A expressão positiva da p53 foi detectada em 61,6% (n=65) dos casos. Em 38% (n=25) ocorreu sobreexpressão (em 50% ou mais células tumorais) que se associou a categorias T mais avançadas (p=0,040), à presença de metástases ganglionares regionais (p=0,003) e a estadios mais avançados (p=0,019). Associou-se ainda com tumores G2 ou G3 (p=0,010). Quanto à p63, 98,4% (n=61) dos casos mostraram expressão positiva com sobreexpressão em 79,0% (n=49). A expressão da p16 foi observada em apenas 27,9% (n=17) dos casos. Tumores com tamanho e estadio mais avançado apresentaram uma redução na expressão da p16 (p=0,017 e p=0,021, respectivamente). Na expressão da p27, 89,5% (n=51) dos casos mostraram positividade, com 84,2% (n=48) com elevada expressão (superior a 25% de células tumorais). A ciclina A mostrou expressão positiva em 54 casos (83,1%), sendo superior a 25% das células tumorais em 25 casos (38,5%). Esta expressão elevada foi mais evidente em doentes do sexo masculino (p=0,023), de categoria T e N e estadio mais avançado (p=0,010, p=0,017 e p=0,002, respectivamente). A expressão da ciclina D1 foi considerada como positiva em 89,2% (n=58) dos casos. A sua expressão em 25 a 49% das células tumorais foi observada em 13 (20,0%) casos e em mais de 50% de células tumorais em 39 casos (60,0%). Na ciclina E, 32,8% (n=21) dos casos mostraram expressão positiva. Embora 60% (n=39) dos casos mostrassem positividade para a ciclina B1, em apenas 15,4% (n=10) a expressão deste marcador foi superior a 25% de células tumorais. A expressão positiva da COX-2 foi observada em 66,7% (n=42) dos casos analisados sendo de elevada expressão (superior a 25% das células tumorais) em 33 casos (52,4%). O VEGFR-1 foi positivo em 61,3% (n=38) e de elevada expressão em 34 casos (n=54,8%). Observamos uma relação significativa da sua expressão elevada com a presença de neoplasia nas margens cirúrgicas (p=0,006). A expressão do VEGFR-2 foi positiva em 91,7% (n=55) dos casos e de elevada expressão em 85% (n=51). Todos os tumores com metástases ganglionares mostraram expressão elevada deste marcador (p=0,021). A expressão da Bcl-2 foi positiva em 27,3% dos casos (n=12). Os tumores bem diferenciados mostraram menor expressão desta proteína que os restantes tumores (p=0,042). O índice apoptótico médio avaliado pelo método de TUNEL correspondeu a 1,6% ±1,54 com 40,8% (n=20) dos casos superiores a este valor. Doentes com idade e tamanho tumoral mais avançados mostraram maior índice apoptótico (p=0,011 e p=0,032, respectivamente). Na avaliação do gene CCND1 pelo método de hibridação in situ por fluorescência verificamos que 43,3% (n=26) dos casos estudados apresentaram presença de aberrações numéricas. Tumores com sobreexpressão, de elevado score ou de intensidade moderada/forte da ciclina D1 estiveram associados à presença de aberrações numéricas do gene CCND1 (p<0,001, p<0,001 e p=0,034, respectivamente). Verificamos uma associação da expressão do Ki-67 com a ciclina A (p=0,016), com a ciclina B1 (p=0,003), com a p63 (p=0,005), o que traduz a função proliferativa destas proteínas e com os receptores tirosina-cinase avaliados neste trabalho: o EGFR (p=0,023), o VEGFR-1 (p=0,019) e o VEGFR-2 (p=0,001). A expressão aumentada destes receptores poderá contribuir para uma maior proliferação tumoral. A expressão tumoral dos receptores VEGFR-1 e VEGFR-2 estudados no presente trabalho apoiam também o conceito de estimulação mitogénica autócrina-parácrina que estes receptores permitem às células tumorais além das propriedades angiogénicas peritumorais. Aos 36 meses a taxa de sobrevivência total foi de 52,9%, de sobrevivência livre de doença de 37,6%, de sobrevivência livre de recidiva local de 55,1% e de sobrevivência livre de recidiva regional de 54,9%. Na análise univariada, a presença de tamanho avançado (p<0,001), metástases cervicais (p<0,001), estadio avançado (p<0,001), permeação peri-neural (p=0,039), distribuição membranar e citoplasmática do EGFR (p=0,003), sobreexpressão ou score elevado da p53 (p=0,001 e p=0,006), diminuição de expressão da p16 (p=0,019) e expressão elevada da ciclina A (p=0,005) mostraram reduzir significativamente a sobrevivência total. No entanto, encontramos valor de prognóstico independente apenas no estadio (Hazard ratio de 24,05; CI a 95% de 4,66-124,19; p<0,001), na expressão da p53 (Hazard ratio de 4,16; CI a 95% de 1,59-10,87; p=0,004), na distribuição celular do EGFR (Hazard ratio de 4,09; CI a 95% de 1,65-10,15; p=0,002) e na expressão da p16 (Hazard ratio de 11,70; CI a 95% de 2,55-53,59; p=0,002). Mesmo em estadios iniciais (estadios I/II) a sobreexpressão da p53 (Hazard ratio de 5,5; CI a 95% de 1,20-25,19; p=0,028) e a expressão membranar e citoplasmática do EGFR (Hazard ratio de 4,92; CI a 95% de 1,08-22,41; p=0,039) foram indicadores de uma menor sobrevivência total. Estes resultados sugeriram-nos avaliar o valor prognóstico do EGFR e da p53 numa só variável na sobrevivência total. Como agora esperávamos, encontramos um valor preditivo altamente significativo e independente onde doentes com tumores EGFR+ (membrana/citoplasma)/p53+ apresentaram pior prognóstico (Hazard ratio de 7,09; CI a 95% de 2,36-21,30; p<0,001) mesmo em estadios iniciais (Hazard ratio de 16,34; CI a 95% de 2,22-120,20; p=0,006). Pensamos que estes dois marcadores, indicativos da agressividade e prognóstico da doença, poderão ser utilizados de uma forma simples e prática no planeamento do tratamento do doente com carcinoma de células escamosas da cavidade oral. De forma similar a categoria T (p<0,001), a categoria N (p<0,001), o estadio (p<0,001), o grau de diferenciação (p=0,007), a distribuição celular do EGFR (p=0,038) e a intensidade da p63 (p=0,002) mostraram, na análise univariada, uma influência significativa na sobrevivência livre de doença. Na análise multivariada o estadio avançado (Hazard ratio de 13,87; CI a 95% de 4,33-44,45; p<0,001), a expressão membranar e citoplasmática simultânea do EGFR (Hazard ratio de 2,08; CI a 95% de 1,02-4,22; p=0,043) e o grau de diferenciação histológico G2 ou G3 (Hazard ratio de 2,59; CI a 95% de 1,24-5,42; p=0,011) apresentaram valor de prognóstico independente com redução desta sobrevivência. O grau G2/G3 foi preditivo de menor sobrevivência livre de doença mesmo em estadios iniciais (estadio I/II) (Hazard ratio de 4,78; CI a 95% de 1,68-13,60; p=0,003). Na análise univariada da sobrevivência livre de recidiva local, a idade (p=0,001), a categoria T (p=0,030), a categoria N (p<0,001), o estadio (p<0,001), o grau de diferenciação histológico (p=0,021), a intensidade da p63 (p=0,021) e o índice apoptótico (TUNEL) (p=0,033) alcançaram significado estatístico. Na análise multivariada a presença de metástases ganglionares regionais (Hazard ratio de 20,0; CI a 95% de 3,92-101,81; p<0,001), o grau de diferenciação histológico G2 ou G3 (Hazard ratio de 4,59; CI a 95% de 1,54-13,69; p=0,006), o índice apoptótico reduzido (Hazard ratio de 6,70; CI a 95% de 1,60-28,14; p=0,009) e a diminuição de expressão da p63 (Hazard ratio de 5,11; CI a 95% de 1,15-22,72; p=0,032) mostraram reduzir significativamente, de forma independente, a sobrevivência livre de recidiva local. O grau G2/G3 foi preditivo de menor sobrevivência livre de recidiva local mesmo em estadios iniciais (estadio I/II) (Hazard ratio de 5,16; CI a 95% de 1,29-20,57; p=0,020). Na sobrevivência livre de recidiva regional a categoria N (p=0,016), o estadio (p=0,005), o grau de diferenciação histológico (p=0,036) e a expressão da Bcl-2 (quer avaliada pela percentagem de células marcadas, p=0,008 ou por intensidade de marcação, p=0,007) atingiram o significado estatístico na análise univariada. Apenas a expressão da Bcl-2 mostrou valor de prognóstico independente (Hazard ratio de 3,78; CI a 95% de 1,32-10,82; p=0,013) mesmo quando considerada em estadios iniciais (estadio I/II) (Hazard ratio de 6,51; CI a 95% de 1,68-25,25; p=0,007). O valor significativo e de carácter independente dos marcadores estudados neste trabalho nomeadamente a distribuição celular do EGFR e expressão da p53 na sobrevivência total ou a expressão da Bcl-2 na sobrevivência livre de recidiva regional pode acrescentar aos parâmetros de prognóstico clássicos como o estadio ou grau de diferenciação uma ajuda preciosa na elaboração de um adequado plano de tratamento para doentes com carcinomas de células escamosas da cavidade oral particularmente em estadios iniciais. Por outro lado, a elevada expressão dos receptores tirosina cinase EGFR, VEGFR-1 e VEGFR-2 verificada neste trabalho sugere o estudo de terapias moleculares dirigidas simultaneamente a estes receptores em carcinomas de células escamosas da cavidade oral.